domingo, 16 de junho de 2013

A escolha pelo parto domiciliar.

Faz um tempo que eu gostaria de escrever sobre os motivos que me levaram a dar a luz ao meu filho Nico no aconchego de minha casa.
Vejo que há muita falta de informação sobre o tema, e por conta disso muitos artigos rolando na internet, na mídia, muitas opiniões divergentes, mas aqui eu vou colocar o que me levou a tomar a decisão de não querer ir para o hospital nesse momento tão único e sagrado em minha vida.
Uma coisa que me deixa um pouco irritada é a tal fala de que parto domiciliar é modismo, pra falar a verdade quando eu escuto isso a conversa pra mim já se dá por encerrada, primeiro porque moda é tendência, é aquilo que está em alta, e a alta no Brasil é cesariana com mais de 80% no setor privado, segundo é que eu duvido muito que uma mulher que quer um parto domiciliar por achar bonitinho sustente essa opinião até o final da gestação diante da pressão de nossa sociedade e principalmente dos profissionais de saúde, dos medos impostos e valores culturais presentes em nosso meio. Um parto domiciliar no Brasil exige muito mais do que querer, exige um processo de mudança interior muito complexo, uma vez que vivemos em uma sociedade tecnicista e medicalizada, onde o parto deixou de ser um evento fisiólogico e muitos medos inundam os sentimentos das mulheres.

Eu me lembro do primeiro parto que acompanhei na minha vida, na época eu tinha 18 anos e estava no segundo ano da faculdade. Foi um parto rápido (quinto filho), mas não deixou de ter um Kristeller (empurrar a barriga da mulher), um "mãezinha não grita, senão o bebê não nasce". Quando o bebê nasceu eu olhei para as duas amigas que estavam na sala comigo e ambas estavam chorando e dizendo que era lindo, emocionante. Não posso deixar de concordar que o nascimento independente da via de parto é lindo e deve ser celebrado com muita alegria, e assim eu fiz, fiquei feliz, dei um abraço na mãe, e fiquei com aquela boa sensação de quando um bebê acaba de nascer, mas algo lá dentro me dizia que aquilo não era pra mim. Depois de nascer e dar uma passada pelo colo da mãe o bebê foi levado para os procedimentos rotineiros, que inclui aspiração de vias aéreas, colírio de nitrato de prata nos olhos, vitamina k injetavel, vacina contra hepatite B, pesar, medir, auscultar, colher impressão plantar para declaração de nascido vivo, etc, etc. E depois como era um hospital amigo da criança ele seguia com a mãe, caso estivesse bem, para o alojamento conjunto. YES!
Depois desse parto eu fui assistir a uma cesariana e também fui inundada de um sentimento profundo de felicidade quando ouvi o choro da criança, mas aquela sensação de que o nascimento não era algo pacifico. 
Com o tempo pude ir acompanhando vários nascimentos, e aprendendo mais e mais a realizar os procedimentos e cada vez mais me acostumando com eles, e menos questionando tudo aquilo, afinal estava no livro, na aula, na fala do professor. Mas um sentimento estranho que naquela época eu não entendia, não conseguia sequer falar sobre ele, e acredito que não sabia sequer que ele existia. Afinal aquilo tudo era o que eu aprendi, e pra mim o grande problema era o fato de minha paixão ser as salas de urgências e não as de parto. Quem me conhece daquela época hoje se assusta com meu interesse imenso por parto, gravidez e maternidade. A Thaiane emergencialista ainda vive em mim, mas agora a sala de urgência e aquele típico cheiro de sangue misturado com alcool não me chamam tanto a atenção quanto um bebê nascendo respeitosamente.
Tudo começou a mudar bem antes de passar por mim a vontade de engravidar, bem antes da Gisele Bundchen ter seu parto domiciliar sem ambulância na porta. Um dia navegando na internet eu li uma matéria bem simples, mas ali estava "parto domiciliar". Eu arrepiei, e não acreditava naquilo, que absurdo, como uma mulher podia ser tão louca e irresponsável com a própria vida e com o bebê, como assim??? Como todas as respostas eu encontro pesquisando, fui atrás, e comecei a ver que essas loucas mulheres, de loucas não tinham nada, mas tinham bastante informação e muita força para lutar pelos direitos e assumir responsabilidades pela própria vida. Mas ainda não estava convencida, afinal experiências pessoais são únicas e só dizem respeito a pessoa que viveu. Posso eu viver uma mesma experiência que outros e ter sensações e aprendizados totalmente diferentes. Daí comecei a busca por evidências científicas, e comecei nesse processo a dar nome aquele sentimento que sempre que eu acompanhava um nascimento inundava o meu coração, e esse sentimento era de violência. O nascimento pra mim era e é violento em muitos casos.

Moro em Ribeirão Preto e dados de 2011 mostram que nossa taxa de cesarea foi 61,84% de cesarianas e esses numeros são crescentes a cada ano. Nesta cidade contamos com uma maternidade privada muito conhecida mas que tem altas taxas de cesariana, bebê é separado precocemente da mãe e vai para o berçario, e muitos ainda recebem mamadeira com fórmula artifical.
Parto aqui em Ribeirão, independente do local é em posição de litotomia, posição esta não recomendada, pois dificulta o trabalho de parto, e só é boa pra quem assiste o parto, pois fica mais fácil para realizar procedimentos que na maioria das vezes são desnecessários, porém são realizados rotineiramente. 
Eu queria um parto vertical, pois amplia o diâmetro da bacia o que facilita o nascimento, evita compressão de veia cava e coloca a mulher no poder do nascimento do próprio filho. A posição litotômica com a perna da mulher amarrada é uma agressão, e não tem respaldo cientifico que a justifique. 
Eu queria liberdade de movimento, liberdade de expressão, liberdade para poder ser quem eu sou, e fazer o que quiser, comer, dançar, gritar, chorar, sorrir, dizer que não vou aguentar sabendo que TODOS os envolvidos estariam ali diante de mim acreditando que eu iria aguentar sim, sabendo que TODOS os envolvidos não se incomodariam com minha nudez, com meus gritos, uivos, com o mergulho em minha inconsciência, sabendo que meu marido ficaria comigo o tempo todo, que minha doula estaria ali pra segurar minha mão, e sabendo que o tocólogo do meu parto estaria totalmente íntegro e disposto a ficar comigo pelo tempo que fosse, acreditando em mim, não me fazendo procedimentos desnecessários que colocariam em risco a minha vida e a do meu filho, e que estaria todo o tempo ali, em silêncio, do meu lado, me olhando, INVISIVELMENTE me acompanhando. 
Eu não queria nenhum procedimento desnecessário, eu não queria ser cortada, eu não queria ninguém dizendo pra mim o que eu deveria ou não fazer, eu não queria ninguém falando da novela no momento do nascimento, eu não queria ninguém achando que sabe mais sobre o meu corpo do que eu, eu não queria ninguém duvidando de mim. Eu não queria nenhum apressado querendo conduzir meu trabalho de parto com ocitócitos que aumentariam minhas chances de parto instrumental e sofrimento fetal, eu não queria pressa, eu queria paz, calor, silêncio. 
Eu queria poder curtir cada momento do meu parto, cada sensação, cada dor. Eu queria poder toca-lo antes de nascer, acaricia-lo ainda dentro de mim, sorrir e cantar pra ele, ou ficar em silêncio e sentir sua chegada. Eu queria estar acordada, queria participar de cada segundo.
Eu queria que meu filho viesse para os meus braços, sem pressa, queria poder namora-lo, queria poder me apresentar a ele, queria amamenta-lo assim que nascesse, que o cordão umbilical não fosse cortado imediatamente após o nascimento para que ele pudesse transicionar para a vida respiratória com tranquilidade, eu queria intimidade, respeito. Assim como não queria procedimentos desnecessários em mim eu não queria nele, principalmente nele. 
Não queria que ele fosse aspirado sem necessidade.
Não queria que seus olhos entrassem em contato com o colírio de nitrato de prata que é caustico, provoca conjuntivite química e dificulta a visão do bebê em um momento em que o olho no olho é tão importante. O método Credé é recomendado inclusive pelo Ministério da Saúde para evitar oftalmia gonocócica porém a eritromicina apresenta efeitos mais amplos e menos prejudiciais. 
Não queria que dessem a ele vacina de Hepatite B na hora do nascimento. Eu optei por dar vitamina K oral e não injetável. Não queria que o lavassem, eu só queria que ele ficasse comigo, caso ele nascesse em condiçoes para isso.

Mas a quem recorrer? Aí eu vi o grande despreparo dos profissionais de saúde cuja formação evidencia muitos atrasos, muito conservadorismo, muita falta de informação de qualidade. Vi que nossas instituições carecem de melhorias, seus protocolos coisificam seus clientes, os fazem perder a voz, perder a individualidade. E como perder a individualidade em processo tão íntimo, de origem sexual e de grande importância na vida de uma família?
Como aceitar que meu filho ao nascer fosse para um berçario receber fórmula artificial, receber todos os procedimentos sendo a maioria desnecessários? Como ter consciência disso tudo e me calar diante do nascimento do meu filho? Como ir para o hospital sabendo que lá eu teria um parto horizontal e que isso aumentaria as chances de um desfecho ruim? Como ir pra lá sabendo que as minhas chances de ter um parto fisiológico seriam mínimas e que isso diminuiria minhas chances de ter um nascimento satisfatório?

Havia duas alternativas ir para São Carlos  e ter meu bebê em uma suíte PPP (pré, parto, pós parto) dentro do hospital, ou dar a luz em casa. Eu fiquei com a segunda opção.

Eu tinha MEDO de ir para o hospital, muito medo. 
Mas não tinha medo de dar a luz em casa??
Sim, também faço parte de uma cultura pró-cesarea. Nasci de uma cesariana, e cresci ouvindo histórias ruins de partos normais, mas a informação de qualidade sempre foi uma grande aliada minha. Em minha vida não cabe espaço para achismos, eu sempre quero saber a verdade, eu sempre quero a melhor evidência. Hoje nós procuramos mais informações para comprar uma geladeira do que para ter um parto respeitado e sobre tantos assunto do universo maternal e do nosso cotidiano, infelizmente.

Parto domiciliar é seguro e isso é o que aponta vários estudos. O parto domiciliar só é indicado para gestações de baixo risco, onde a mãe e os bebês estão bem, o bebê está cefálico, e não é gestação gemelar. E temos vários estudos demonstrando que em gestações de baixo risco o parto domiciliar não ocasiona aumento da morbimortalidade materna e neonatal, sendo que estes índices são semelhantes tanto para hospitais quantos para nascimentos em domícilio, sendo um pouco menores nestes.
Em um estudo publicado em 2009 no British Journal of Obstetrics and Gynecology concluiu que um parto domiciliar planejado não aumenta os riscos de mortalidade perinatal e morbidade perinatal grave entre mulheres de baixo-risco, desde que o sistema de saúde facilite esta opção através da disponibilidade de parteiras treinadas (por isso eu reforço a importância de uma assistência de qualidade) e um bom sistema de referência e transporte.  http://www3.interscience.wiley.com/journal/122323202/abstract?CRETRY=1&SRETRY=0

Vou deixar aqui outros artigos que falam sobre o parto domiciliar e sobre a atuação de enfermeiras obstetras.

Não luto para que todas as mulheres tenham seus filhos em casa, acredito que esta seja uma opção para aquelas mulheres que realmente queiram ter essa vivência. Luto para que todas mulheres possam ter o direto de escolha e serem respeitada por qualquer que seja esta escolha. Luto para que as mulheres não precisem fugir do hospital simplesmente por não terem alternativa que é o que acontece na maioria das cidades brasileiras. Luto para que as mulheres possam ter partos respeitados dentro do ambiente hospitalar. Luto pelo direito de escolha, e pelo respeito ao nascimento. E essa luta vem se tornando a de muita gente.

Um grande abraço

Thaiane

"Para mudar o mundo é preciso mudar a forma de nascer" Michel Odent