quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Relato de Parto : do domicílio para a cesárea



Este relato levou 39 semanas para ser feito, assim como Henrique foi gerado por 39 semanas.
Desde o parto do meu primeiro filho, que tem o relato aqui, eu sonho com a minha segunda viagem pela partolandia. Nicolas nasceu em maio de 2011 num parto domiciliar maravilhoso, com 41s3d, nasceu rapidamente, com 2820g e 48cm um tiquinho lindo de bebê, e desde este dia eu sonho com esta nova jornada que descrevo aqui.

Descobri  esta gestação durante o acompanhamento de um trabalho de parto, fui tomada por um misto de alegria, euforia e de uma sensação desconhecida de que esta jornada seria totalmente diferente da anterior. 
Por ser parteira tentei ao máximo levar uma gestação no meu modo mulher, fui em cursos de gestantes com meu marido, li muuuuitos livros sobre gestação e parto, fiz pilates, yoga, hidroginástica, dança, pratiquei hipnose e mindfulness, fazia consultas de pré-natal com minha obstetra e com as parteiras, preparação do períneo com a fisio, e tudo seguia bem, mas sempre a sensação de que seria diferente.
Ahh, engravidei dos dois no mesmo dia, a DPP de ambos era 14/05.

Foi no morfológico que meu coração tremeu, percentil 90 em peso, sei que USG não é balança, e eu de verdade nao conseguia compreender o motivo daquilo me deixar inquieta, pois bebês grandes nascem. Já vi varios bebes gorduchos nascendo em partos fantasticos. Mas eu sentia algo que nao conseguia descrever. Tanto que decidi não fazer mais USG, a gestação estava evoluindo bem, o pré natal super bem feito, todos os exames estavam dentro da normalidade, e eu segui a gestação de forma tranquila, trabalhando normalmente e tendo minhas atividades de gravida, tanto que atendi meu ultimo parto com 38 semanas, uma semana antes do meu próprio parto.
E, numa sexta-feira com 38s5d eu acordei com cólicas,  fui ao banheiro e o tampão que estava saíndo desde as 32 semanas, havia mudado de cor e estava tingido de sangue, opaaa, em breve teremos novidade, segui a vida, porém as contrações começaram a vir, sem rítmo, eu sabia que estava em pródromos e tentei levar a vida adiante, no limite do possível. Cada dia que passava a coisa ficava mais difícil, eu não conseguia andar pois eu sentia muita, muita, muita dor no púbis, e as contrações chegavam com dor. Passei o final de semana com dor e de mau humor, na segunda feira, saí para comprar algumas coisas que faltavam, e eventualmente eu precisava parar pra esperar a contração passar, disfarçava para as pessoas não perceberem, tentei levar adiante, as contrações já estavam a cada 7 minutos, e essa noite foi uma das mais dificeis, tive cólica de rim, passei a noite no chuveiro, implorando para as contrações não piorarem, eu tinha medo de entrar em trabalho de parto com cólica de rim. Amanheceu, a cólica de rim passou, e as contrações pioraram mais um pouco, a Rafa minha parteira passou aqui em casa pra me dar um oi, e eu já estava desconfortável, mas como estavam sem ritmo eu tentei não dar atençao. 
Confessei a ela que eu estava com medo, sentia que a experiencia seria diferente, meu coração dizia que não seria fácil como foi o outro. Conversamos e ela me disse pra fazer uma seção de Theta healing, chamei a Vivian (Além do olhar) e fizemos nossa seção, meu medo era ir pra cesárea, e eu sentia que não estava deixando o parto fluir por conta desse medo.

Terminamos a seção por volta das 22:00, chamei o marido pra assistir Orgasmic Birth pela milésima vez, assim que terminou, ouvimos nós dois um barulho PLOC, e ele perguntou se aquilo havia sido na barriga. Eu disse que sim. Fui ao banheiro calcinha bem molhada, mas duvidei da possibilidade de ser bolsa rota, e fui dormir.
Ás 03:00 da manha eu sonho com a Vivian dizendo pra eu ir ao banheiro que minha bolsa iria romper, e acordo com uma contração muito forte, bem mais forte do que as outras que estava me acordando há dias, chego ao banheiro e PLOC liquido esbranquiçado escorre pelas minhas pernas, bolsa rota.
Ok, Ok. tento deitar e dormir, mas as contrações começaram a vir muito fortes, a cada 5 min. Fico feliz, sentindo que evoluiria rápido, cada uma mais forte que a outra, me lembrava o parto do Nico, espero pouco mais de uma hora e Chamo as parteiras (Rafa e Vanessa), chega a doula (Cláudia) também, e o dia amanhece e as contrações mantem com boa intensidade, porem elas perdem o ritmo e se distanciam. Tento dormir, mas nao consigo, elas são dolorosas apesar de distantes, me entrego, não penso em nada, deixo a coisa fluir. Passo o dia assim contrações fortes, a cada 5-10 min. E já um tanto cansada! Mas um dia muito alegre, de muitas risadas, uma boa lembrança.

Ás 18:00 peço para que seja feito um exame de toque, e eu sabia exatamente o toque, eu sabia a dilatação e a altura do bebê, eu só queria ouvir algo diferente daquilo que eu sentia, mas nao era. Estava com 5 cm, bebê flutuante na pelve, e ainda tinha um bolsão de liquido. Pedi para todo mundo ir embora, eu iria tentar dormir, e desencanar. Antes, fizemos trocentos exercicios, Gail, Naoli, Yoga, tudo.
As 20:00 entrei no chuveiro e conversei longamente com ele, pedi, chorei, perguntei, aceitei e entreguei. Fui pra cama, mas as contrações eram muito dolorosas. As 21:00 a dor piorou, e piorou muito, e ficaram a cada 3-4 min, Pedi pra Rafa vir ficar comigo. Quando ela e a Vane chegaram, fizeram outra manobra, que foi muito dolorosa, toque 6cm, bebe repousado no pubis, lá nas alturas. Depois entrei na banheira, a dor já estava próxima da dor que eu senti quando o Nico estava prestes a nascer, mas eu me entreguei.
Entrei na piscina, coloquei minha playlist, elas eram minhas ancoras hpnóticas, e foi uma experiência maravilhosas, em meio as ondas eu me perdia num mar de quietude e calmaria, sem noção de onde ir ou ficar, eu estava completamente dentro de mim. Cantei muitas musicas, e eu estava absolutamente em paz, num frenesi, onde só existia Henrique e eu, num único corpo, viajando por um lugar qualquer, sem destino, sem tempo, sem pressa. Eu não via ninguem, eu não sentia ninguem, mas eu sentia a presença do mundo todo. Como se todas as mulheres do mundo estivessem conectadas a mim. Estavamos ancorados neste mundo, mas viajando por outro qualquer. 
Eu sabia que o Gustavo estava ao meu lado, eu sentia a presença dele, mas nao conseguia sequer sentir o seu toque em minha mão, o que fui ver mais tarde em algumas fotos. Eu não escutava nada além da minha voz e das minhas musicas. Eu não via nada além de mim e do meu bebê! E a dor avançava, e eu cada vez mais me aprofundava em mim mesma, num cantinho em mim, escondido, misterioso, sem acesso para mais ninguém, totalmente mergulhada em mim.
Quando deu 01:30 da manhã, a a minha bolsa rompeu de fato, no toque 8cm, bebe em -2, vamos lá, agora vai nascer.
E aí, eu saí da partolândia, desse universo doloroso e prazeroso na medida certa, e fui pra algum lugar negro, eu acordei de um sonho e entrei num pesadelo, a dor era insuportável, não era a dor do parto que havia conhecido, era uma dor que me deixou maluca, era uma dor que me angustiava, a sensação era de que eu abriria ao meio, e meu coração gritava pra eu pedir ajuda, pra eu sair dali. Tentava voltar pra minha hipnose, mas eu nao conseguia, era como se eu precisasse estar acordada. Mas eu segurei, segurei, o máximo que pude. Eu queria MUITO parir de novo no calor do meu lar, eu estava disposta a aguentar aquela dor. Mas ela nao tinha intervalo, doía o tempo todo, eu sentia vontade de empurrar, mas nao era a sensação de expulsivo. Eu sentia vontade de correr, de gritar, de sair de mim, de tirar meu bebê de mim. Até que em uma contração extremamente forte, meu coração conversou com Henrique, e me veio a certeza de que  não estavamos numa experiencia normal, que precisavamos de ajuda, e eu precisava sair dali. Eu senti a presença do Henrique muito forte, e uma angustia muito grande tomou conta de mim. Neste momento, pela primeira vez vi que a Flavia Junqueira estava ali diante de mim, eu gritei pra ela: Ele está preso, meu filho está preso, eu sinto ele preso. Nao era uma sensação, era uma constatação, eu senti sua cabeça, eu vi sua cabeça, eu não tinha duvidas.

" Disseste que se tua voz tivesse força igual
À imensa dor que sentes
Teu grito acordaria não só a tua casa
Mas a vizinhança inteira"
(Legião Urbana)


Gritei que queria ir embora, que queria analgesia, isso era 04:00 da manha, eu estava com aquela dor descontrolada há duas horas e meia, não aguentava mais.
A parteira pediu para fazer um exame de toque, quem sabe estava perto de nascer. Ao toque 9cm, bebê parado em -2. Nisso a Rafa pediu pra eu sentar na banqueta pra ver se ajudava, saí da banheira e fui para o chuveiro, tentei ir para o chuveiro, mas a dor era imensa, meu pubis doía demais, eu nao conseguia andar. Decidi ir pro hospital. Pedi para ligarem para o hospital e avisar ao anestesista que eu estava chegando. E estava indo nua para o hospital, quando alguem passou um vestido pela minha cabeça, nem sei quem foi (obrigada). Eu moro no terceiro andar, em um prédio sem elevador, respirei fundo e desci as escadas com apoio da minha amiga obstetra anja Flávia Junqueira. Entrei no carro, e em 3 minutos estava no hospital, as contrações nao davam tregua. Cheguei no hospital, e depois fiquei sabendo que meus gritos eram ouvidos no estacionamento.
As 4:10 fiz analgesia, e eu consegui respirar, consegui ver minha equipe toda ali ao meu lado, pessoas que ate entao eu nao havia visto, eu estava em outra dimensão. As amigas fotógrafas (Alexandra e Dani Grigoletto), minhas obstetras lindas Flávia Maciel e Flávia Junqueira. As parteiras Rafa e Vane e minha doula Cláudia. 

"When the night has come
And the land is dark
And the moon is the only light we'll see
No I won't be afraid, no I won't be afraid
Just as long as you stand, stand by me" (Seal)
Eu me sentia de volta, mas meu pubis ainda doía, a analgesia não conseguiu aliviar 100% mas eu já estava satisfeita.
As 06:00 da manhã as dores estavam querendo voltar com força, As Flávias tentaram fazer uma manobra interna e externa. Mas Henrique permaneceu parado em -2, colo em 9cm pq a sua cabeça nao chegava nele para finalizar a dilatação. Perguntei:- Ele vai nascer? O olhar triste de todos na sala respondeu a minha pergunta em silêncio. Estavamos sem evoluçao na altura há muitas e muitas horas, quase 10 horas sem ele sair do plano -2. Estacionado.
Chorei, chorei de alivio, chorei de medo, chorei de frustração. Um longo filme do meu parto anterior passou pela minha cabeça, tive raiva e pena de mim. Mas exausta demais vesti a minha força e minha coragem e adentrei ao centro cirúrgico. A dor no pubis já estava forte demais.
Mas aquele centro cirurgico não estava frio, pessoas que me amam, que acreditam e comungam comigo estavam lá, ansiosas pela chegada do Henrique.

chorei nesse abraço


Deitei na maca e quando começou a tocar Can´t Help Falling  in Love (Elvis Presley), estava no meu plano de parto, tocar esta musica quando Henrique chegasse. Os campos foram abaixados e eu pude ver sua cabeça saindo de dentro de mim, ele não brotou de outro lugar, ele não apareceu do nada, ele saiu de mim. E eu só sabia dizer que ele era lindo, que parecia comigo, me vi nele, me vi bebê. E sua cabeça era enorme, a razão de toda essa bagunça, logo vi seu corpo gorducho sair de mim. Foi passado por debaixo dos campos, direto para os meus braços calorosos, precisou de uma ajudinha da Tia Paula (pediatra), mas em seguida chorou forte em meus bracos e grudou no peito, mamou forte, rosado, gorducho, imenso, do tamanho do meu abraço. E meu mundo caiu mais uma vez. 
A sensação de receber um filho é maravilhosa, independente da via de parto. Eu tive a mesma emoção e alegria nos dois nascimentos. Sentir o corpo quente e escorregadio faz tudo valer a pena.
Sim, é possivel amar dois filhos na mesma medida, eu já era capaz de matar e morrer pelo meu mais novo amor. Marido curtiu, nos apaixonamos por ele em uma sala de centro cirurgico, diferente da piscina que foi o parto anterior, mas não de menor significado e intensidade. Papai cortou o cordão, e meu plano de parto foi seguido a risca. 


                  Wise men say, only fools rush in
But I can't help, falling in love with you
Shall I stay? Would it be a sin
If I can't help, falling in love with you? (Elvis Presley)



Henrique nasceu as 06:12 de uma quinta feira, de um parto que começou com pródromos na sexta-feira, quase uma semana de preparação, uma jornada longa e que precisamos vivenciar.
Pesou 3965g e 51cm, 37cm de perimetro cefalico, 36cm de perimetro toracico. Uma cabeça redondinha, de quem nem tentou entrar na pelve. Um Desproporção Céfalo Pélvica clássica, caímos numa baixa porcentagem, mas a obstetricia é cheia de pequenas surpresas.

Fomos para Recuperação pós Anestesica, namoramos mais um pouco, Henrique continuou grudado no peito por muitas e muitas horas. Não sofreu nenhuma intervenção sequer. Ficou comigo o tempo todo em contato pele a pele, me olhando nos olhos, como sei tentasse entender que caminhada longa haviamos percorrido.

gorducho
Fácil ir para um cesárea quando se deseja um parto normal? De forma alguma. Eu sempre fui uma parteira muito empática e sempre soube que era um processo longo e difícil, mas eu só tinha noçao, só fui saber a real intensidade desse sentimento quando me vi lá dentro, encarando de frente e de peito aberto. Sem nem tentar entender, me deixei levar pelos sentimentos, e tive dias muito difíceis, de luto pela experiência que sonhei durante anos, e a vivi de uma forma diferente, num parto que nunca sonhei. Sentia um buraco imenso no peito, uma lacuna, como se houvesse sido marcada por algo inacabado. Mas o aprendizado foi soberano, tanto do ponto de vista pessoal e profissional. Deixo aqui meu abraço apertado a todas as mulheres que passaram por este sentimento, para aquelas que ainda passarão, ou estão passando, se deem um tempo, ele cura, faz as conexões, fale a respeito, chore, coloque pra fora, sua dor é legitima, mesmo que vc tenha um bebe saudável em suas mãos.
Hoje quase nove meses depois, consigo ver com beleza e tamanha riqueza essa experiência intensa e de grande superação que foi a chegada do Henrique. Esta é a nossa história, me orgulho imensamente dela.

Eu queria agradecer imensamente essa equipe maravilhosa que me acompanhou. Detalhe que vi praticamente,  minha equipe inteira de parto parir, com exceção da Rafa que vou ver agora. A energia estava demais, mulheres amparando uma amiga parindo. 














Meu muito obrigada ao meu maridao Gustavao, que foi maravilhoso como em tudo na minha vida. Presente, segurou as pontas, sonhou comigo, chorou comigo, e cresceu comigo. Obrigada
Meu filho Nico, que sua presença me deu forças para perseverar na chegada do seu tao esperado irmão.
As parteiras e obstetras Flávia Maciel, Flávia Junqueira, Rafa e Vanessa, vocês foram perfeitas, viverão para sempre em meu coração, Fazem parte da historia da minha família, lembrança eterna. Muito obrigada a cada uma de voces, pelo carinho, pela amizade e profissionalismo, na gestação, no parto e no pós parto.
A minha doula Claudia, muito obrigada por cuidar de mim na gestação, e muito obrigada por ser calmaria onde eu era tufão.
As minhas fotografas e video makers, obrigada por se fazerem invisiveis e eternizarem este momento. Muito obrigada
E a pediatra que recebeu e respeitou nosso principe, Paula Cuginotti, muito obrigada pelo carinho e cuidado.
A toda equipe do Hospital Electro Bonini, muito obrigada pelo carinho, pela privacidade e respeito.